Notícia

Crédito a habitação

O Senhor Presidente da República comparou as anunciadas medidas para a Habitação a um melão que “só saberemos se é bom depois de abrir”. O melão não deve ser consumido se revelar fendas ou outros defeitos visíveis. No caso, trata-se de um acúmulo de medidas contraditórias entre si e outras fortemente lesivas da confiança do investimento, particularmente do investimento estrangeiro

Um amontoado de asneiras e algumas boas intenções, de medidas coercivas, compulsivas e de exequibilidade duvidosa. Um Estado que não sabe de quantos imóveis dispõe, que não paga a tempo e a horas aos seus fornecedores, que nos últimos anos tem vendido através da Estamo terrenos e imóveis públicos onde poderia ter promovido habitação acessível, irá agora transformar-se numa entidade de bem que vai solucionar um problema que até agora não resolveu. 

Fernando Medina sucedeu a António Costa na Câmara Municipal de Lisboa e não se lhe conhecem resultados. Um Estado que injeta milhões em grandes empresas deficitárias para assegurar temporariamente postos de trabalho e decreta o fim de uma atividade económica de que dependem direta e indiretamente mais de 100.000 trabalhadores, micro e pequenos empresários que geraram o seu autoemprego, que dinamizou o pequeno comércio de bairro e a restauração, que trouxe a legalidade, a fiscalidade e a profissionalização a uma atividade informal enraizada há décadas nas localizações com maior fluxo turístico.

Um Estado que prescinde de um programa de captação de investimento estrangeiro, que em 10 anos captou 6,7 mil milhões de euros. Um Estado que criou grupos de trabalho alegadamente para realizar estudos sobre estes temas, mas que nunca publicaram informação relevante. Os beneficiários imediatos serão Espanha, Itália, Grécia e Chipre, próximos destinos europeus dos cidadãos globais, redirecionados pelos agentes imobiliários internacionais que até aqui promoviam Portugal. Quanto aos que já efetivaram a sua intenção de compra, antevê-se uma avalanche de processos contra o Estado. Num País cada vez mais empobrecido e nivelado por baixo, o Estado gesticula como se de um País rico se tratasse. 

Um Estado que há décadas discute a localização de um novo aeroporto internacional em Lisboa e continua a abdicar de mais receita turística. Um Estado asfixiado em burocracia e asfixiante em carga fiscal e que agora vai resolver a crise habitacional. Um Estado que não é capaz de gerir o seu património imobiliário mas que quer assumir-se como um operador imobiliário de referência.

Um Estado que vai comprar imóveis para sub-arrendar, sortear os imóveis disponíveis no mercado, intermediar a oferta de arrendamento, substituir-se aos incumpridores, avaliar as taxas de esforço e outras condicionantes dos inquilinos, fiscalizar quais os imóveis devolutos para arrendamento compulsivo, realizar obras nos imóveis devolutos que não estejam em condições para arrendar.

Um Estado que diz querer a descentralização, mas dispensa a consulta às entidades com maior legitimidade para políticas ativas de habitação, os governos regionais e autarquias, retirando-lhes poder decisório. Um interior desertificado que agora perde instrumentos de captação de investimento, capacidade de atrair novos visitantes e de rejuvenescimento da sua população, condições para dinamizar as suas economias locais. 

Do lado da oferta no mercado imobiliário nada de relevante quanto a incentivos à construção nova, nada quanto à utilização da CGD como instrumento público das políticas de habitação, nada quanto às metas de descarbonização na reabilitação do edificado. 

Aguardava-se que os decisores anunciassem medidas para aumentar a oferta imobiliária. Até agora, o “power point” apenas trouxe desconfiança nos mercados internacionais e o bullying sobre os suspeitos do costume. Em 1978, o primeiro-ministro Mário Soares iniciou um caminho que rejeitou a coletivização da economia. Em 2023, renasce a utopia do Estado omnipresente com os resultados conhecidos. Iremos a tempo de emendar a mão?